terça-feira, 23 de setembro de 2008

Só por esporte

ESTE TEXTO FOI ESCRITO POR BRETT GREGORY JOHNSON

Fiquei impressionado com o Campeonato Cinqüentenário que a PUC fez o final de semana passado.

(Guilherme Augusto Pessoa fazendo o 100m borboleta - foto por Brett Johnson)

Bom, nem vi tudo que estava acontecendo lá. Me tinha inscrito para três eventos no campeonato de natação, portanto não deu para ver o atletismo, o futebol, ou a peteca em ação. Mas o que vi na piscina era sim impressionante. Eu tinha inscrito só de brincadeira. Nunca nadei competitivamente, apenas por recreação. Mas tem uma primeira vez para tudo. Enquanto à quem seria a minha competição, eu só conhecia o Guilherme Augusto Pessoa, um colega do Ricardo no curso de jornalismo. Fisicamente, Guilherme não é nada imponente, mas na piscina ele usa cada centímetro do corpo para desviar a água na sua frente. Naquele sábado, ele acabou sendo o Michael Phelps da PUC, ganhando oito medalhas—4 de ouro, 2 de prata, 2 de bronze. Eu tinha a sorte de estar na mesma equipe de revezamento dele no 4x50m livre, em que terminamos terceiro colocado. Parabéns Guilherme.

(Guilherme Augusto com suas medalhas - foto por Ricardo Mallaco)

E além do Guilherme, mais ou menos 25 outro rapazes vieram naquele dia para mostrar que podiam nadar, e nadar bem. Eu tenho que dar parabéns para eles, e também para a PUC por facilitar esse chance para nós competirmos.

(Bronze com gosto de ouro no 4x50m livre - foto por Sandra Gomes)

Mas faltou alguma coisa: onde estavam as mulheres? Eu vi duas entrar na piscina para competir, e apenas em dois eventos. Em inglês temos um termo para um negócio que tem muito mais homens do que mulheres: “A sausage fest”... “Uma festa de salsicha.” Como falei, nem vi direito os outros esportes naquele dia. Mas ouvi falar que no 1500m feminino de atletismo, só duas garotas estavam competindo. Parabéns mesmo para elas por ser tão corajosas.

O que sim vi bem da presença feminina no Campeonato era no futsal. E ainda mais parabéns para aquelas guerreiras que competiram em frente de um público predominantemente masculino que aproveitou de bastante chance para zoar das habilidades delas. Gostaria muito de ver aqueles craques da bancada lá na quadra jogando com a Marta. Muito.

Então eu pensei na última Olimpíada um mês atrás. Assisti com o resto do Brasil o jogo final de futebol feminino entre os Estados Unidos e o Brasil. Vou admitir, as brasileiras jogaram melhor e mereceram ganhar. Talvez o fator chave que afinal decidiu o jogo em favor das norte-americanas fosse a forte tradição de esporte feminino que existe nos EUA e que ainda está demorando para chegar no Brasil. As seleções femininas brasileiras de futebol e de vôlei mostraram a garra para ser campeãs olímpicas, mas acabou que só essa pôde ganhar o ouro. Tomara que o sucesso das duas seleções inspire meninas a começar jogar. Tomara que os pais delas aceitem elas jogando.

Após essa última Olimpíada, a mídia não cansou de falar do “fracasso” dos atletas brasileiros: 23o colocado com 3 ouros, 4 pratas, e 8 bronzes (para um total de 15 que ainda igualou o maior total anterior de 15 em Atlanta em 1996). Recebi bastante raiva na rua e na sala de aula de pessoas chateadas com o sucesso continuado dos Estados Unidos nas Olimpíadas, especialmente em jogos importantes contra o Brasil. “Vocês ganham tudo!” ouvi bastante. Bom, não exatamente. Agora é a China que está ganhando tudo, especialmente os ouros. E os Jamaicanos de 2008, liderados por Usain Bolt, mostraram a sua supremacia no atletismo. O ciclismo continua um esporte dominado pelos ingleses. Os Estados Unidos sim tem basquete, embora o ouro da seleção masculino deste ano tenha sido o primeiro título mundial em 5 anos para o país que inventou o esporte. E os EUA têm natação, ou pelo menos por enquanto: os franceses e australianos sempre lutam ferozmente pelo título de melhor país na piscina.

Mas entendi o ponto: os EUA sempre brilham nas Olimpíadas, enquanto a melhor colocação para o Brasil foi em Atenas em 2004: 16o colocado com 5 ouros. Por quê tanta disparidade entre estes dois “países primos”? Em realidade, é mais do que uma questão de ser “desenvolvido” ou “sub-desenvolvido.”

As raízes da cultura esportiva norte-americana vêm da Grã-Bretanha, historicamente um país com uma cultura esportiva muito forte. Começando com a gestão de Eisenhower nos anos 50, o campo de esportes se tornou um espécie de campo de batalha contra os russos durante a Guerra Fria. Bilhões de dólares foram investidos em educação física, e desenvolvimento de diferentes esportes no ensino médio e nas faculdades, porque o esporte era considerado uma medição de superioridade entre os dois super-potências da época. E agora provavelmente vai continuar assim entre os EUA e a China.

Também, nossa cultura esportiva está bem ligada com nossa mania em relação ao tempo. Nos EUA, seguimos um ritmo bem estrito enquanto ao tempo. Temos tempo para trabalhar, tempo para estudar, tempo para recreação, tempo para comer, etc. As divisas entre as diferentes cenas são tão certinhas como as de uma peça de Shakespeare. Um bloco de tempo reservado nos EUA para recreação (para gente comum) ou treinamento (para atletas sérios) começa na hora, dura o tempo marcado, e termina na hora. Por isso temos uma das taxas mais altas de enfartos no mundo. Mas por outro lado, ganhamos muitas medalhas.

Outra coisa culpável para a discrepância entre a cultura esportiva dos nossos países é a questão da facilidade de acesso aos meios de recreação, principalmente para correr—o verdadeiro base de uma cultura esportiva e a fundação para realizar sucesso no palco mundial. Em Iowa, eu posso sair da porta da minha casa e correr 8km em ruas normais sem ondulações estranhas nem escadas no asfalto. Se eu morar numa cidade maior com ruas mais movimentadas que não deram para correr, vou ter parques para utilizar, ou também pistas de atletismo públicas para aproveitar. Aqui, sim, tem parques também; então, já que as ruas no Coreu e Dom Cabral são meio ruinzinhas para eu correr, eu vou para o Parque Municipal ou a Praça Liberdade. Mas demora muito para chegar lá. Mais interessante para mim seria usar a pista de atletismo da PUC. É certo que a PUC é uma faculdade particular, e portanto eu não estou insinuando que o uso da pista deve ser público. A pista também deve ser particular, e por uso da comunidade acadêmica só. Mas o negócio é isso: sou parte da comunidade acadêmica, e não posso usá-la.

(Pista de atletismo da PUC - foto por Brett Johnson)

Quando eu cheguei aqui em fevereiro, a pista já estava construída, e já tinha facilitado um evento esportivo ao final de 2007. Era perfeita. E não mudou de ser perfeita. Continua perfeita. É a mesma pista de atletismo hoje que era 8 meses atrás. E fica aí, no complexo esportivo, ociosa, inútil, em vão. No site do Centro Olímpico do complexo desportivo da PUC, se lê o seguinte:

A PUC Minas se torna a única universidade brasileira a contar com uma pista de atletismo que atende aos padrões exigidos pela Federação Internacional de Atletismo. Com a inauguração do Centro Olímpico, que integra o Complexo Esportivo da Universidade, atletas profissionais, a comunidade acadêmica, crianças e jovens atendidos por projetos sociais vão poder contar com uma infra-estrutura moderna para treinamento e para a iniciação no esporte. Resultado de convênio entre a Universidade e o Ministério dos Esportes, a obra irá mesclar o treinamento de alto rendimento com a formação de jovens talentos. “Decidimos não fazer um centro de treinamento geral, como foi previsto no início das negociações, mas, sim, um centro específico”, explica o reitor, professor Eustáquio Afonso Araújo. “Escolhemos o atletismo, porque é uma área onde o Brasil tem mais a evoluir e sabemos do papel social que podemos desempenhar junto às escolas públicas em Belo Horizonte e Minas Gerais”.

Bom, eu faço parte da comunidade acadêmica. Sou eu que quero contar com essa “infra-estrutura moderna para treinamento”. Eu até podia ter contado nela durante este ano inteiro. Mas, a pista fica lá, ociosa, inútil, em vão. A semana passada eu mandei um email para a secretaria do complexo esportivo, querendo saber se a pista realmente se abriria para nós estudantes usarmos, já que o Campeonato Cinqüentenário em certa maneira “inaugurou” ela. Recebi deles o seguinte:

AOS USUÁRIOS DO COMPLEXO ESPORTIVO:

INFORMAMOS QUE A PISTA DE ATLETISMO, O CAMPO DE FUTEBOL E O LABORATÓRIO DE MUSCULAÇÃO NÃO ESTÃO SENDO UTILIZADOS MONENTANEAMENTE, EM FUNÇÃO DE QUESTÕES ADMINISTRATIVAS. TÃO LOGO ESTAS QUESTÕES ESTEJAM SOLUCIONADAS, SERÃO DIVULGADAS AS RESPECTIVAS FORMAS DE UTILIZAÇÃO.

Que porra são “questões administrativas”?! A pista é perfeita, e já tinha um ano para solucionar “questões administrativas”. Deixa a gente usar logo!

O Brasil ainda tem muita coisa para ser um país orgulhoso enquanto ao esporte. Começando logicamente com futebol: o Brasil tem sido o país onde o futebol vira poesia, tanto para homens quanto para mulheres. A seleção masculina vai continuar realizando muito sucesso...depois de dispensar do Dunga. A seleção feminina também vai, e muito provavelmente jogando com mais espírito e coração, já que não são pagas os milhões de euros dos craques masculinos. Mas elas sim vão precisar de apoio. O Brasil já realizou sucesso em tênis com Guga, está realizando-o em natação com Celso Cielo, e bastantes brasileiros jogam no NBA. Quem sabe se algum dia o NFL (a liga de futebol americano nos EUA) vai estar cheio de craque brasileiro? O vôlei ainda vai continuar forte depois do Brasil perder 3 dos 4 finais olímpicos dos EUA.

E o atletismo? Bom, tem a Maureen Maggi, que superou de um escândalo de doping para ganhar ouro no salto de distante. Parabéns Maureen. Mas re-realizando o sucesso dela, sem mencionar realizando o mesmo nível de sucesso não só dos EUA, mas também da Jamaica, Rússia, Quênia, Etiópia, China, e Marrocos na multidão de eventos de atletismo, vai significar construir mais pistas de atletismo no país inteiro. E não deixar o burocracia (ou, falada mais ligeiramente, “questões administrativas”) obstruir atletas jovens de experimentarem nelas o sentido de correr rápido, saltar longe, ou jogar um disco até o céu.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O olhar do gringo: deixe me apresentar

ESTE TEXTO FOI ESCRITO POR BRETT GREGORY JOHNSON

Já viu aquele comercial de Havaianas? Aquele em que Lázaro Ramos e outro homem lamentam na praia que o Brasil tenha tanto problemas, mas quando um argentino que está escutando inquire sobre quais são esses problemas, os brasileiros negam que o País tenha problema nenhum, que ele seja perfeito?

Bom, para quem viu, eu me sinto muito com aquele argentino. Só que a minha situação é ainda pior do que a situação dele. Não sou um “hermanito”, e sim pareço mais um “Big Brother”, uma agente vigilante de um país que exerce o seu poder em quase qualquer canto do Planeta.

Eu sou norte-americano. Eu sou gringo.

Então, para eu inquirir, sem falar em fazer crítica sobre os problemas de um país que não seja meu, eu esperaria uma reação defensiva por conta do meu público brasileiro, similar a ela que recebeu o argentino inquisitivo. E eu, como gringo, esperaria mais ainda: uma reação ofensiva. Eu não sou ignorante aos tantos problemas que o meu país já causou no mundo. São muitos, e cada vez que eu entrar na sala de aula, ou até cada vez que eu me introduzir como um norte-americano para alguém, eu aguardo que uma crítica sobre um dos problemas com a etiqueta “Made in USA” seja discutido.

Então, quem sou eu para fazer crítica de um país além do meu? Quem sou eu para fazer crítica sobre um país que já sofreu problemas causados por mãos norte-americanas?

Eu não cheguei aqui para criticar o Brasil. Eu vim aqui em uma bolsa da organização Rotary International para estudar mais sobre o Brasil para depois ensinar outros norte-americanos sobre tudo brasileiro quando eu voltar em dezembro. Também estou aqui para compartilhar a minha cultura e oferecer perspicaz sobre o meu país complicado para quem quiser ouvir. Muitas vezes isso significa que eu recebo críticas sobre os EUA, críticas com que eu concordo muitas vezes. Eu não sou a favor do Bush, nem da guerra dele. Eu acredito que aquecimento global existe, e acho que o meu país tem que fazer mais para combatê-lo. Eu acho injusto nosso sistema de subsídios agrícolas e de tarifas contra bens brasileiros que é contraditório do nossa fé zelosa no comércio livre. Entre outras coisas.

Quando viajar, você acaba dando mais conta às coisas ruins do seu próprio país. Mas também acaba conhecendo outro país que—como qualquer outro—tem os seus próprios elementos bons e ruins. Ao final de contas, comparar os problemas que o seu país nativo e o seu país anfitrião têm não é um questão de determinar qual deles é melhor. Sim é uma questão de entender melhor o que é que compartilhamos quanto a nossos problemas, o que é que fazemos para curar eles ou prevenir outros, e o que é que podemos aprender de nossas experiências ao mesmo tempo distintas e semelhantes.

Então, meu discurso crítico aqui neste blog não é para zombar do Brasil e elogiar os EUA. É sim para oferecer as reflexões de um estrangeiro sobre o tempo dele no seu país adotivo, em nome de entendimento mútuo entre os povos de dois países que em muitas maneiras são primos.


Não sou hermanito, nem um Big Brother. Sou sim um primo gringo, e este é o meu olhar.

domingo, 14 de setembro de 2008

Do lado de lá da faixa


Quando pequeno, disseram-lhe pra olhar para os dois lados da rua, antes de atravessar. Agora nem notamos, mas isso é um instinto, automático.
Quando pequeno, disseram-lhe pra não criticar porque isso era feio, errado. Agora nem notamos, mas criticamos como um instinto, e muitas vezes esse instinto é muito mais selvagem do que deveria ser.
Ainda somos selvagens. Não vamos mudar, pois quanto maior o esforço que fazemos para sermos algo que não nascemos pra ser, tornamo-nos ainda mais rudes.
A faixa de pedestres é uma marca, inventada pelo homem, pintada no asfalto, que lhe passa a idéia de ser um lugar seguro para atravessar. Mas será que realmente existe um lugar que lhe garanta proteção em uma travessia? Carros podem atingir velocidades altíssimas.
A crítica, por sua vez, não foi inventada. Já veio "instalada" no homem. Tem vida própria. Aguça-se observando o cotidiano, e é usada como arma quando não nos conformamos com o que assistiu. Podendo ser arma letal, de "brincadeira" ou como um choque, apenas para alertar.
"A arte de julgar pode ser um defeito se usada sem nenhum escrúpulo". Mas pera aí, né? Duvido que todo pintor fez boas pinturas. Talvez usou demais o verde... talvez desapareceu com o vermelho... talvez esqueceu do verde, amarelo e azul.
O crítico é como o pintor, tenta impressionar, mostra seu ponto de vista na obra e espera assim por uma crítica a respeito do resultado. Às vezes exageram. Algumas vezes a conclusão não agrada, pois não chama a atenção. Até podem virar como a famosa "Monalisa", ou "O grito de Munch":assustador para alguns; arte para outros.


"Talvez usou demais o verde... talvez desapareceu com o vermelho... talvez esqueceu do verde, amarelo e azul."



Crítica: forma de expressão e julgamento, buscando mudanças, ou apenas um simples alerta.
Critique também, mas lembre-se olhar pros dois lados antes de atravessar. Essa travessia pode lhe custar a vida. Levar-te ao outro lado, que pode ser o melhor naquele momento, o mais seguro. Sua passagem pode inspirar outros a tentar, e assim obter o resultado esperado.

Olhe pros dois lados antes de decidir sua última palavra, a crítica.

(Foto por Brett Gregory Johnson)