sábado, 14 de março de 2009

O resto do mundo

(foto por Ricardo Mallaco)


A primeira matéria que fiz foi na primeira semana de aula do primeiro período da faculdade. Foi a mais difícil, porque ainda não entendia o que era ser jornalista e apurar com imparcialidade.

Matéria sobre moradores de rua do bairro em que moro.

Mas o que são moradores de rua? A resposta varia.

Pra muita gente são apenas alguns objetos que atrapalham a passagem daqueles que pagam impostos, sujam a imagem de cartões postais, devem sair do meu bairro.

Deparamo-nos algumas vezes com pessoas dizendo que pra “acabar” com os mendigos, deveríamos parar de dar esmolas, “assim eles saem daqui”, concluem. Ok, eles saem daqui e vão pra outro bairro ou local, onde outros vão dizer a mesma coisa e assim a batata quente vai sendo passada de mão em mão. Quem irá se responsabilizar por esses seres humanos?

A existência dos sem-teto é conseqüência do desemprego estrutural, falta de políticas públicas favoráveis aos trabalhadores e à população empobrecida.

Por que morar na rua? São muitas as causas: vício, desemprego, problemas mentais, falta de estrutura familiar. Acredito que se alguma pessoa foi morar na rua por outro problema sem ser o vício, acaba adquirindo-o com o passar do tempo. Não os culpo, estar fora da lamentável realidade de suas vidas deve ser o único prazer, se é que posso usar essa palavra pra uma vida em que não se vive, se é castigado.

Os governantes deveriam tomar providências para ajudar os moradores de rua. Mas os desabrigados não votam, então não teria razão em ajudar alguém que não lhes oferece algo em troca.


"Quem irá se responsabilizar por esses seres humanos?"

Já vimos várias casos onde indivíduos tentaram enfrentar tal população de forma violenta.

Quem não se lembra dos adolescentes de classe média que queimaram um índio Pataxó Galdino quando dormia num abrigo de ônibus em Brasília? Em Vila Velha, no Espírito Santo, aconteceu algo parecido há pouco tempo atrás. Veja no vídeo:


Alegando vingança, diversão (como disseram os adolescentes) ou qualquer outra coisa, não justifica tirar a vida de alguém.

Gênio da música brasileira, Gabriel O Pensador em um de seus momentos de grande inspiração escreveu a música O Resto do Mundo, em que fala sobre os moradores de rua de forma espetacular:

"Eu me chamo de excluído como alguém me chamou

Mas pode me chamar do que quiser seu dotô

Eu num tenho nome

Eu num tenho identidade

Eu num tenho nem certeza se eu sou gente de verdade

Eu num tenho nada

Mas gostaria de ter

Aproveita seu dotô e dá um trocado pra eu comer...“

Enquanto políticos roubam milhões, eles só querem alguns trocados pra se alimentar.

Enquanto alguns sonham em ter casas mais confortáveis, eles só querem ter um lugar onde tenham um mínimo de privacidade.

Enquanto pessoas sonham em ter carros mais velozes, eles só torcem para que estes não os atingam.

Eles não chegam a ser pobres, estão abaixo dessa linha, eles são moradores de rua, não têm privacidade, não têm comida, não têm família estruturada, não têm carro, não têm computador nem eletricidade pra ler esse blog, não têm carinho, não têm felicidade, não tem nada. Do mundo eles só têm duas coisas, as calçadas e o oxigênio, ambos sujos. Deveriam ter esperança, mas nesta já atearam fogo.