segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Falemos da política...

ESTE TEXTO FOI ESCRITO POR BRETT GREGORY JOHNSON

Belohorizontinos acabaram de testemunhar três eleições que ganharam muita atenção da mídia local e nacional. Primeira foi a dos vereadores e o primeiro turno de prefeito, segunda foi a do segundo turno de prefeito, e terceira—que tinha nada ver com BH, mas da qual foi impossível escapar—foi a eleição presidencial norte-americana.


A primeira foi marcada pelo queridíssimo (e engraçadíssimo) horário eleitoral, no qual cada vereador tem 6 segundos para se destacar das dezenas de outros, utilizando padrões de números fáceis de lembrar, musiquinhas para reverberar nas cabeças do eleitor, e nomes esquisitos ou associados com um lugar popular: KBÇA, Antônio Cowboy, Cantor Raúl, Pelé do Vôlei, José da Padaria, etc. Outra estratégia é alinhar-se com um candidato para prefeito, mas com os tantos candidatos para vereador alinhando-se com, por exemplo, o Márcio Lacerda, essa estratégia tenha sido talvez um detrimento. Ao final de contas, provavelmente os que ganharam as vagas de vereador tenham sido aqueles que estavam melhor conectado com um grande grupo de eleitores, seja de uma igreja, escola, ou, no caso de José, uma padaria.

No segundo turno, o muito antecipado confronto entre Márcio e Leonardo Quintão chegou a se contestar. O empresarial versus o caipira. O tecnocrata vs. o “dá para fazer, gente.” O prefeito da aliança vs. o “dá um jóia, amor!” O mensalão vs. “vamos chutar na bunda deles!” Foi uma batalha que o menos ruim foi destinado a ganhar, e isso acabou sendo o Márcio.

(Belohorizontinos fazendo campanha para Márcio Lacerda na Praça Sete - Foto por Brett Johnson)

Depois dessa segunda eleição, a mídia tinha um pouco mais de duas semanas para devotar quase exclusivamente à eleição entre Barack Obama e John McCain para a presidência dos EUA. O Brasil, como todos os outros países do mundo menos Israel e as Filipinas, já tinha decidido quem era o preferido: o cara que parecia fisicamente mais como brasileiro. E o Brasil e o mundo conseguiu o que tinha desejado. Barack Obama ganhou do McCain no voto popular 53% a 46%, e no todo-decisivo voto eleitoral (uma conta de votos baseada nos estados ganhos, que reflete a população de cada estado) 364 a 162, um verdadeiro goleado.

Quando subiu o palco em Grant Park, Chicago, 23a hora do dia 4 de novembro, o mundo viu o rosto do próximo líder norte-americano que bem provavelmente aquele mundo nunca tinha esperado de ver. Foi um rosto negro. Embora não fosse o rosto dos negros historicamente marginalizados nos EUA, cujos antepassados vieram com escravos da África occidental e não como um bolsista em economia da Quênia, o rosto ficou negro. E verdadeiramente foi o Yang do rosto Yin do George W. Bush: branco, conservador, fodedor do mundo.

O rosto do Obama é mesmo um rosto que dá esperança, a palavra-chave em que ele baseou a campanha dele. Bom, qualquer rosto daria esperança depois de 8 anos do rosto arrogante e palhaço do Bush. Mas o do Obama, negro, jovem, forte, e até emocional (as lagrimas breves revelaram que ele ainda é humano), dá uma nova imagem para o mundo, alguém perspicaz para entender a complicada realidade política—tanto doméstica quanto global—e carinhoso para salvar os menos afortunados—de novo, tanto domesticamente quanto no mundo inteiro—durante tempos economicamente duros. O mundo pode perceber isso, e isso dá muita emoção.

(Barack Obama fazendo campanha em Iowa em Janeiro 2008 - Foto por Brett Johnson)

Mas quê do Brasil? Já percebi que a esperança que a vitória dele criou se sente aqui neste país. Mas o que é que o Obama vai fazer que vai dar aos brasileiros mais do que esperança?

Bom, primeiro, temos que dar-nos conta de que certos assuntos enormes (a economia, as guerras em Iraque e Afeganistão, a ameaça de uma Irã nuclear, uma Rússia surgindo, aquecimento global, melhorando relações com Europa queimadas por Bush, e certamente bastante mais) vão ter que ser resolvidos—ou pelo menos tentados de ser resolvidos—antes que a nova Administração Obama possa tocar profundamente a questão de relações com América Latina em geral e o Brasil em particular. Mas quando vier esse momento—alguns acham que vai demorar 12 a 14 meses para ele vir—alguns assuntos vão dominar a conversa.

O primeiro será o protecionismo norte-americano em relação à sua produção de etanol. Certamente o Brasil tem argumentos fortes que o etanol brasileiro deveria mesmo chegar aos portos de Miami e Nova Orleans livres de tarifas e subsídios dados aos fazendeiros de milho norte-americanos. Sendo democrata, a política de Obama é mais protecionista, mas talvez ele vá mudar nesse caso, especialmente porque o milho tem melhor função como comida do que como combustível.

Segundo será o reconhecimento do Brasil pelo governo norte-americano como uma força dominante, política e economicamente, tanto regional quanto globalmente. O jeito conciliatório do Obama provavelmente vá criar o clima perfeito para tal reconhecimento, e uma nova parceria entre nossos país primos.

Terceiro (e certamente vão haver mais, mas estes são os mais importantes), é a questão de desmatamento na floresta amazônica. Obama falou uma vez que ele está em favor de “incentivos” para a preservação de florestas latino-americanas. Ele talvez esteja sendo deliberadamente vago porque o assunto é muito delicado: o mundo inteiro quer uma floresta intacta para lutar contra aquecimento global; o Brasil quer a sua soberania sobre a floresta, e o seu direito de desenvolver o país em qualquer canto do seu território. Os dois argumentos são validos. Obama vai ter que andar delicadamente aqui, porque o assunto precisa delicadeza.

Quando estes e outros assuntos vierem a ser tocados profundamente pela Administração Obama, vai ter bastante ajuda pela parte dos brasileiros, principalmente no Ministro de Assuntos Estratégicos Roberto Mangabeira Unger, quem foi o professor de Obama na faculdade de direito em Harvard.

Então, quanto às relações com o Brasil e com o resto do mundo, todos esperamos que o Obama possa trazer mudanças, como prometeu durante a campanha dele, todos os 21 meses dela. Porque, depois dos últimos 8 anos, realmente precisamos mudanças. Será que ele realmente vai cumprir tais promessas?

Já ouvi bastantes vozes na PUC-Minas que acham que não. A política externa dos EUA é sempre uma coisa só, elas acham, e nem um cara que exsuda tanta esperança como Obama vai ser capaz de mudá-la. Os dois partidos políticos norte-americanos são uma farsa, argumentam, e mudanças políticas que acontecem na transição de um para outro são ilusões. É o clássico olhar marxista, e talvez tenha razão. Vamos ter que ver.

Esse negócio do número de partidos políticos nos EUA (2, embora tecnicamente existem mais 6 ou 8 irrelevantes que nunca alcançam mais do que uma fração minúscula do voto) em comparação ao Brasil (27, segundo Wikipédia) é algo interessante de analisar. É um pouco irônico, neh, que o país mais capitalista no mundo, que sempre enocrajava competição no mercado na forma de dezenas de atores oferecendo centenas de opções para o consumidor escolher, só tem dois partidos que concorrem os maiores postos de poder. É realmente ridículo pensar que dois partidos possam bem encapsular toda a população estadounidense. Talvez por isso que a taxa de participação nas eleições maiores no país só cai entre 50 e 60% no máximo. E com certeza, esse sistema bi-partidário só resulta em criar mais polarização do país, causticamente dividindo-o por uma linha só enquanto a realidade é que as posições do povo varia e flutua muito.

No Brasil, políticos disputam postos de governo através dos 27 partidos e a certidão que os votos potenciais existem, já que o voto no Brasil é obrigatório. O outro dia eu estava falando com um amigo, e ele me disse que achava o sistema bi-partidário norte-americano melhor do que o sistema brasileiro. “Políticos correm por interesses próprios, e não os interesses do povo, para os quais a plataforma de um partido ou outro declara que está representando,” ele criticou. Segundo o argumento dele, um sistema de quase 30 partidos políticos faz com que tem mais lugares para um político se candidatar. Assim, PT, PTB, e PTdoB (dono do meu
jingle favorito do horário eleitoral) não necessariamente representam os trabalhadores brasileiros, mas em vez disso são veículos para membros do elite político, aonde que caiam no espectro político, serem eleitos, e linhas partidárias entre eles e outros partidos são mais ou menos flexíveis.

(Papelzinhos de candidatos ao vereador - Foto por Brett Johnson)

Isso seria uma pesquisa interessante: ver se tal fenômeno realmente existe e não é apenas uma opinião de anedota. Por enquanto, vou deixar a crítica do sistema para quem quiser. Por mim, eu posso sim entender a lógica do meu amigo. E sim, realmente parece ridículo ter até três partidos com quase o mesmo nome. Mas o sistema norte-americano é a outra extrema do ridículo. Os políticos talvez vão ter mais incentivo para trabalhar por conta do partido e não interesse próprio. Mas, isso por sua vez cria cada vez mais dois partidos cristalizados em ideologia, e polarizados um ao outro. No entanto, como falei encima, um partido cristalizado não pode realmente representar até a metade da população; certamente vai ter conflitos de interesses dentro de um dos partidos. Está-se vendo esse fenômeno agora no Partido Republicano nos EUA. Nesse partido, tem pelo menos 4 asas que são mais mutuamente exclusivas uma à outra do que não: a asa evangélica, que luta para fazer ilegal o aborto e o matrimônio gay; a asa economicamente conservadora, que apóia políticas econômicas neo-liberais em favor dos interesses empresariais; a asa “falcão”, que quer que os EUA sejam ainda mais intervencionista e usem mais a sua força militar no mundo; e a asa moderada, de onde coube John McCain, até que ele se dêsse conta que a impopularidade dessa asa entre republicanos lhe custaria votos dos eleitores das outras asas desencantadas. Plausivelmente, o Partido Republicano poderia quebrar em quatro partidos menores, para depois fazerem compromissos legislativos entre eles do mesmo estilo que acontece nos governos multipartidários da Europa. Mas realmente, na realidade política norte-americana, é muito improvável que isso vá acontecer.

Governar democraticamente significa governar pelos princípios e interesses da maioria, mas ao mesmo tempo fazer compromissos e concessões para a minoria. Agora os republicanos estão na vasta minoria: os democratas controlam a presidência e as duas câmaras do congresso por margens significativas. Só o tribunal supremo (o
Supreme Court) inclina mais à direita, embora isso possa mudar já que é o presidente que aponta os juizes para a corte quando um juiz atual morrer ou aposentar, e é o congresso que vota na seleção do presidente. Os próximos quatro anos vão ser muito interessantes, já que os instrumentos para mudar as políticas dos últimos 8 anos (e até as ultimas 6 décadas) estão prontos, e o clima doméstico e internacional para mudança é mais favorável do que nunca. Exatamente quanto a Administração Obama e um congresso democrata muda o país, quanta vontade eles têm para fazer compromissos com a minoria conservadora, e quanto a relação entre os EUA e o Brasil cresce realmente vai ser interessante ver.