quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Adeus povo bom...

ESTE TEXTO FOI ESCRITO POR BRETT GREGORY JOHNSON

O outro dia eu estava andando para o EPA no Coreu, e senti um peso grande em algum lugar no meio da cabeça. Veio a toa, mas sabia o que era, e sabia que senti-lo-ia de novo, várias vezes durante os próximos 20 dias, e certamente depois. Parece que tem uma grande hidroelétrica atrás dos olhos, e a água está acumulando atrás dela. A água acumula por causa da tristeza, mas controlamos ela e prevenimos que ela acumule demais. Mas, quando menos esperamos, quando somos atingidos de repente por um momento tão triste que não podemos escapar dela, a hidroelétrica quebra baixo o peso da água, e a água se alvoroça dela sem parar.

A minha hidroelétrica ainda está intacta. Por enquanto.

Durante meu tempo aqui no Brasil, tenho sonhado literalmente uma vez por semana com a minha volta para casa. Sempre é a mesma coisa. Chego no aeroporto de Cedar Rapids, Iowa. Abraço a minha família e meus amigos. Dou uma voltinha pela cidade para visitar lugares e amigos e matar saudades. E depois acordo, e ainda estou no Brasil. Realmente não fico triste, mas as saudades de casa perduram.

Ultimamente, não tenho tido esses sonhos. Não porque perdi as minhas saudades de casa; elas ainda permanecem. Mas sim porque está caindo a grande ficha de que daqui a 2 dias (desde esta postagem) tudo o que era a minha vida pelos últimos 10 meses vai-se trocar pela minha vida antiga. A rotina diária, a comida, os sentidos, a língua, as interações com o povo, os desafios grandes e pequenos de cada dia, as aulas, e os queridos amigos, tudo vai mudar.

É a vida agridoce de um viajante. Por um lado, conhece novas paisagens, novas culturas, novos amigos, e, a final de contas, novas coisas sobre si mesmo e sobre a sua cultura natal. Por outro lado, conhecer novo povo significa despedir de outro, e voltar depois para este significa despedir daquele, com quem você já ficou confortável, e a quem você realmente deve todo o seu crescimento como ser humano e cidadão global durante o seu tempo com eles. Nosso mundo atual globalizado alivia o dor através de meios de comunicação mais extensivas: email, Orkut, Facebook, Skype, até este mesmo blog. Mas só um pouquinho. Nem o Skype, com a potência não só de falar com uma pessoa no outro lado do mundo, mas também de ver ela por webcam, pode suplantar um encontro de amigos num boteco ou teatro ou fora da sala de aula.

Eu cheguei no Brasil numa boa onda. Tinha uma professora belohorizontina na minha faculdade em Iowa, com quem estudei português (até um pouco de mineirês) e cultura e literatura brasileira. Ganhei uma bolsa da organização Rotary International para estudar na PUC e morar em BH durante este ano, sem a qual eu não teria tido os recursos para financiar uma experiência assim. Mas a realidade difícil dessa boa onda é que ganhei essa bolsa em junho de 2006, 20 meses antes de embarcar para cá. O Brett naquele momento estava mais doido do que nunca para sair da sua casa, com a qual não tinha ligação muito forte. 20 meses depois, o Brett não era o mesmo: tinha criado ligações mais fortes com a família dele e com os novos amigos que ele tinha feito durante aquele tempo. Aquele dia frio e invernal de despedido foi mais difícil do que eu esperava; a minha hidroelétrica quebrou mais de uma vez. Mas o desafio foi preciso, ainda que significasse soltar de uma ligação com a casa mais forte do que nunca. O meu destino já foi escrito, as cartas baralhadas. Foi minha vez para jogar.

E agora, enquanto está chegando cada vez mais perto o dia da minha volta, a aparição do Brett de 2006 me está visitando de novo. O que fiz neste país, as pessoas que conheci, as amizades que criei, todo o que aprendi, tudo aconteceu como aquele Brett queria. Ele e o Brett de fevereiro de 2008 já fizeram um acordo de paz. Mas o novo Brett que resultou dessa paz—eu—está amaldiçoado com o seguinte dilema: está pronto para voltar para casa, mas não está pronto para despedir daqui.

A minha terra não tem palmeiras. Bom, pelo menos em Iowa não tem. Califórnia e Flórida têm sim. Do que saiba não tem sabiá. Mas as cigarras que lá gorjeiam, gorjeiam muito mais bonito do que as de cá. Ou pelo menos digo eu. A verdade é que há coisas nesse mundo que fazem com que não deixamos de ser encantados com nossas terras natais. Quais são algumas dessas coisas que estou muito emocionado de ter de novo em minha vida (além de família e amigos)?

· Café sem açúcar
· Comida mexicana
· A soberania absoluta da Lei
· Estradas estreitas
· Ruas que dão para correr
· Barack Obama
· Estações que realmente mudam uma para a outra

Mas com certeza existem coisas que não estou emocionado a ver de novo—aquelas coisas que causam o chamado “choque cultural ao revês”:

· Carros grandes
· O povo “redneck” ignorante
· Competição altíssima no mercado de trabalho
· A economia estragada
· Os “suburbs”
· A mídia norte-americana
· Invernos frios demais e verões quentes demais

E é lógico que tem muitas coisas brasileiras de que vou ter saudades (além dos meus amigos queridos):

· As dezenas de frutas que não temos em Iowa
· Comida mineira
· Clima agradável
· A cultura do boteco
· Paisagens lindas ao meu redor
· Transporte público bom
· O fato que todo mundo decora as letras de cada música imaginável

Mas também tem aquelas coisas que, honestamente, estou pronto para despedir:

· Burocracia
· Os malucos motoristas e motoboys
· Estudantes falando na sala de aula
· O sol forte, que queima minha pele nórdica, e que faz difícil tirar fotos boas antes das 4 horas da tarde
· Falta de respeito para o espaço pessoal do outro enquanto andando na rua o no supermercado
· A alta formalidade de eventos importantes, e pessoas que falam demais neles
· O anti-americanismo, que, embora justificado em certos casos, chega a ser cansativo

Agora vocês acabam de ver a minha maior crítica neste blog de crítica. Vou admitir, isso não é nada fácil para um estrangeiro—especialmente um norte-americano—fazer no nosso mundo pós-moderno. O lema do nosso tempo é que não existe bom nem mau quanto a uma dada cultura. Diferenças são só isso: diferenças. Mas—e isso é quase um paradoxo—as características em si de uma cultura, que formam essas diferenças, não são perfeitamente boas nem más. Sempre tem coisa para criticar. Não somos mais positivistas, mas criticamos sim o que precisa ser criticado para melhorar nosso mundo troço por troço. É o “progresso pós-moderno.” No entanto, igual aquela propaganda de Havaianas que citei na minha primeira postagem, alguém de fora criticando a sua cultura é diferente de alguém que nasceu naquela cultura. O criticado fica revoltado, e o criticador estrangeiro ganha cara de arrogante. Especialmente quando o criticador é norte-americano.

Vou te dizer que realmente é difícil andar 10 meses com a “bagagem” do seu país nas suas costas, especialmente quando ela é tão pesada como a dos EUA. É um ônus indesejável. No Brasil, pessoas que conheço no dia-a-dia enquanto estou carregando essa bagagem ou falam “os Estados Unidos é muito melhor do que aqui, neh?” (sendo ele um país de “primeiro mundo”), ou falam “o Brasil é muito melhor do que lá, neh?” Como devo responder em cada caso?

Melhor, como responderia você?

Por mim, eu sempre falo que nenhum lugar no mundo é perfeito, que é a verdade. Mas realmente é difícil construir uma fundação de objetividade nesses momentos. Eu não vim aqui para criticar do Brasil, senão por meio construtivo. Quem sou eu, com tanta bagagem, para falar com aquela primeira pessoa “sim, é verdade, Brasil é muito ruim”? Do outro lado, não vim esperando tomar tanto pau por causa da bagagem do meu país. Mas, apesar de quanto pau já tomei, posso dizer felizmente que a maioria da crítica tem sido construtiva.

Já falei isso para alguns amigos, e vou falar para todo mundo agora. Deve ser fácil viajar como brasileiro. Talvez só em Paraguai e Argentina um brasileiro vá ser mal recebido. E nos EUA um brasileiro infelizmente vai enfrentar ignorância, mas provavelmente nunca ódio. Não é assim para um estadounidense. Um brasileiro pode viajar com a sua bandeira na camisa e receber sorrisos. Um estadounidense? Lógico que não. Meu sonho é poder viajar e ser tratado igual um brasileiro. Para isso acontecer, muito (ital) vai ter que mudar quanto à política externa norte-americana. Mas mais do que isso, vai ter que mudar o comportamento de estadounidenses viajantes normais, sejam turistas, estudantes, ou empresários. Não podemos ser mais os “norte-americanos feios” (“ugly Americans”), arrogantes e sem respeito para culturas locais. Tomara que eu tenha feito a minha parte nessa missão durante o meu tempo aqui.

Apesar de toda a crítica, construtiva ou não, merecida ou não, estou feliz de dizer que eu sim fui bem recebido por um monte de amigos e (acquaintences) brasileiros. Eu podia nomear todos vocês aqui, e falar de todas as razões que vocês são especiais para mim, e todas as maneiras em que mudaram a minha vida. Realmente, vocês merecem isso. Eu não vou fazer simplesmente porque esta postagem viraria longa demais e ficaria chata para todo mundo ler. Mas vocês sabem quem são. Espero nesses últimos dias aqui na sua presença deixar vocês saberem quanto sua presença na minha vida significava, significa, e significará para mim. Eu vim aqui tremendo de medo de como sobreviveria numa terra estrangeira durante 10 meses. Estou indo embora mais forte do que nunca, e devo isso a vocês.

Thank you all so much for all that you have done for me.

Só tenho mais alguma coisa para dizer:

Adeus, povo bom, adeus
Adeus, que eu já vou embora
Pelas águas do rio eu vim
Pelas águas do rio eu vou embora
Obrigado, povo bom.

3 comentários:

Clarisse Souza disse...

Até mais Brett... que bom que vai levar boas lembranças das nossas Minas Gerais!!!

Unknown disse...

Oi Brett!!!

Gostei muito de ler esta mensagem.È interessante perceber um pouquinho sobre seus sentimentos.E realmente fiquei muito feliz de ter contribuido para o seu crescimento pessoal e cultural.
Enquanto nos despediamos no aeroporto fiquei pensativo a respeito do que poderia estar passando na sua cabeça naquele momento.Unica coisa que poderia afirmar é que o fato de voce ter que ir embora, não estava sendo fácil pra nós e e principalmente pra voce.
Tenho muito que agradecer pela oportunidade de te-lo como amigo.

"Em qualquer batalha,cabe a nós decidir que não seremos derrotados,cabe a nós estarmos totalmente determinados a vencer.Tudo irá se abrir a partir de então " ( Daisaku Ikeda ).

Pelo pouco que te conheço, sei que voce é um vencedor.

Por favor,não percamos o contato!!!

Erick Vinicius Silva, seu amigo rondonista.

Ricardo Mallaco disse...

Boa sorte irmão.
Vou sentir falta...